quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Reencontro



Retomo a série de postagens anterior mais adiante. É que nesta semana li dois livros fascinantes e não poderia deixar de comentá-los.

A leitura destes textos significou também meu reencontro com a Literatura Infantil e Juvenil. Com a mudança de local de trabalho e todos os inconvenientes decorrentes, não tive tempo para me dedicar a esse gênero que prezo tanto e que é essencial para minha prática profissional diária. Quando "a poeira baixar", tenho esperança de retomar minhas atividades, voltadas para a promoção da leitura e a formação de leitores, interrompidas de forma tão tola e melancólica. Mas vamos aos livros.

O primeiro é Kafka e a boneca viajante*, do espanhol Jordi Sierra i Fabra (Editora Martins, 2008). É simplesmente sensacional o ponto de partida da história.

A última companheira de Franz Kafka, Dora Dymant, relatara que o escritor, um ano antes de morrer, decidiu elaborar uma série de cartas para consolar uma garotinha que havia perdido sua boneca num parque de Berlim. Essas cartas nunca foram encontradas. Sierra e Fabra, então, resolveu imaginá-las, bem como narrar de que modo teria se dado o encontro e a convivência de Kafka com essa menina. O escritor espanhol ficou seduzido pela situação, como escreve no posfácio de seu livro: "uma obra de Kafka exclusiva para uma só pessoa, uma menina".

Em Kafka e a boneca viajante, lemos que o que motivou o escritor tcheco a produzir aquelas cartas imaginárias era muito sério: "estava em jogo uma esperança". Para o autor, "as crianças são um completo mistério, seres de alta periculosidade, um conjunto de risadas e lágrimas alternadas, nervos e energia à flor da pele, perguntas sem fim e exaustão absoluta". Ainda assim, "a relação de uma menina com sua boneca é das mais fortes do universo. Uma força descomunal, movida por uma tremenda energia". É tocante!

O outro livro "descoberto" esta semana foi Transplante de menina** (Editora Uno Educação, 2008), de autoria da escritora, tradutora e roteirista Tatiana Belinky, esse fenômeno da nossa Literatura Infantil. Nesta obra autobiográfica, Belinky fala de sua infância na cidade de Riga (Letônia) até os 10 anos, quando, junto com os pais e os irmãos menores, emigra para o Brasil, no final da década de 1920.

Transplante de menina fala de certos "tipos" de infância, bastante diferentes das nossas (e um pouco similares, às vezes), na Europa do início do século XX e também em São Paulo, quando essa cidade ainda não tinha se tornado a megalópole que é hoje.

Há passagens notáveis em todo o livro; destaco aqui uma delas. A menina Tatiana, na Letônia, comia bananas muito raramente. Fruta cara e exótica, tinha que ser importada para o longínquo e frio pais báltico. Ela achava que a fruta nascia unitariamente, numa árvore desconhecida. Ao chegar ao Brasil, conta sua primeira grande impressão:

"No entanto, o que me impressionou mesmo, quase me assustou, ninguém pode imaginar. Foi um... não riam! Um cacho de bananas! Isso mesmo: um grande cacho de bananas. mais alto que eu, parado muito tranquilo lá no cais, como que zombando do meu espanto ao ver aquela fartura, aquele despropósito de bananas!".

Volto a O mal-estar na civilização na próxima semana.

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* SIERRA i FABRA, Jordi. Kafka e a boneca viajante. São Paulo: Martins, 2008 [tradução de Rubia Prates Goldoni e ilustrações de Pep Montserrat]

** BELINKY, Tatiana. Transplante de menina. São Paulo: Uno Educação, 2008 [ilustrações de Claudia Scatamacchia]