terça-feira, 18 de outubro de 2011

O jogo de Cortázar (1)


Foi o Existencialismo que me levou a ler, pela primeira vez, O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar. Isso foi há quase 20 anos.

Entre as disposições filosóficas cuja pretensão é refletir, sem recorrer à metafísica, sobre noções e valores (muito) caros à humanidade - ética e moral, liberdade e autonomia, a definição de realidade, entre outros -, o pensamento existencialista, a despeito de sua  "impopularidade" pós-1960, é o que mais me interessava quando adolescente (e continua interessando, agora que já não sou jovem).

Por isso, li com avidez, ao longo do tempo, algumas obras ficcionais engendradas a partir dessa disposição. Isso se aplica, certamente, a romances de declarada "filiação" existencialista: por exemplo, O estrangeiro, A peste e A queda, de Camus ; A idade da razão, Sursis e A náusea, de Sartre (autores, é bom acrescentar, com posições distintas entre si). Também se aplica, penso eu, aos romances, diríamos, apenas "simpatizantes" àquele movimento filosófico, como o livro publicado em 1963 pelo escritor argentino e que será o assunto desta e da próxima postagem.

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Sendo franco, aquela primeira leitura do texto de Cortázar não me agradou. A postura blasé, característica da maioria dos personagens, principalmente do protagonista Horacio Oliveira e dos outros membros d ' "O Clube", acabou irritando, por seu acúmulo. Isso sem falar nas centenas de citações em francês - idioma que até hoje não compreendo - e que o tradutor manteve (poderiam ser traduzidas em notas de rodapé, não?). Há ainda a imensa profusão de referências à pintores, poetas, romancistas, músicos, etc. dos quais nada conhecia. NOTA: E esse é sem dúvida um dos desafios propostos pel' O jogo da amarelinha: o leitor ideal inscrito nesta obra é um leitor bastante intelectualizado.

A segunda leitura deste romance*, há alguns meses, foi motivada justamente pelo livro que discuti aqui, dias atrás (A vida: modo de usar, de Georges Perec). Os dois trabalhos têm em comum a proposta lúdica e a possibilidade da leitura aleatória, "desrespeitando" o ordenamento tradicional das estruturas romanescas. O livro de Perec, entretanto, levando em conta apenas o aspecto da inovação formal, interessa-me muito mais.

N'O jogo da amarelinha estamos no terreno das narrativas que prescindem de enredo: quase não há o plano da ação pois este é suplantado inteiramente pelo plano do discurso. Seja nas habitações, ruas e estabelecimentos comerciais de Paris; seja nos apartamentos, no circo ou no manicômio - os últimos em solo argentino -, Horacio e todos os que gravitam a seu redor falam - e em demasia - mais do que atuam; algo, aliás, nada em desacordo com um livro no qual são as ideias e os duelos verbais entre esses personagens que devem ser salientados.

E, talvez, o maior mérito do livro de Julio Cortázar se encontre no questionamento radical a que submete a construção da ficção literária. Em quase todo o romance, implicitamente, circula a pergunta: o que é necessário para uma narrativa ser considerada Literatura e não outra coisa?

Na próxima semana, três excertos do romance serão discutidos.

* CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. 11 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007 [tradução de Fernando de Castro Ferro]

BG de Hoje

Há nesta canção, me parece, uma urgência e uma angústia bastante estudadas por parte da cantora alemã (de ascendência nigeriana) AYO. Nada contra, muito pelo contrário. Adoro Down on my knees justamente por isso.