terça-feira, 18 de junho de 2013

Depressão: sintoma social (II)



Retorno às publicações aqui do blog e volto também ao livro O tempo e o cão: a atualidade das depressões*, da psicanalista e ensaísta Maria Rita Kehl. Irei direto ao epílogo da obra porque parte do que lá está escrito aproxima-se de uma inquietação em que tenho pensado bastante, principalmente por estar ligada à percepção de muitos educadores e professores na atualidade.

Ao falar da aceleração do tempo e o discurso materno, a psicanalista, entre outros pontos, relata o crescimento do uso de remédios, prescritos por psiquiatras e outros médicos, no tratamento de crianças e adolescentes, diagnosticados como "hiperativos" ou "depressivos"**. Talvez eles não estejam tão mal assim, mentalmente falando... E para tentar entender melhor esse quadro social (muito mais do que clínico), Maria Rita Kehl pergunta:

"Por que os pais desejariam enquadrar em uma categoria de doença mental o comportamento de crianças que há duas ou três décadas seriam consideradas problemáticas ou simplesmente mal-educadas? O que leva alguns pais a se demitirem de sua posição de educadores responsáveis, a ponto de acharem mais sensato medicar seus filhos do que repensar suas práticas e sua relação com eles de modo a ajudá-los a atravessar as fases difíceis e as crises depressivas da vida?"

Vale aqui lembrar que O tempo e o cão enxerga a depressão como "um sintoma social contemporâneo". Esse mal-estar afeta diretamente os que dele sofrem, claro; porém, indica ao restante da sociedade que há algo de muito errado com o funcionamento desta.

A autora, ainda na mesma seção do livro, conjetura que o descaso e a displicência dos pais podem não ser suficientes para explicar o porquê de tantos remédios receitados com o intuito de modificar comportamentos em crianças e adolescentes. Ela afirma que

"a atenção à vida subjetiva das crianças, assim como à dos adultos, requer uma relação mais distendida com o tempo: episódios de luto ou de conflito próprios da infância e da adolescência podem custar a perda de um ano escolar, como o mau desempenho em atividades esportivas ou mesmo a perda de popularidade entre os amigos de escola - motivo de importante dor narcísica em uma sociedade em que o valor de cada um é avaliado a partir do ' valor de gozo ' que o grupo social lhe confere".

Nesse momento, suponho, Maria Rita Kehl tinha em mente os representantes da classe média, mas é possível encontrar muitas famílias pobres nas quais a Ritalina já faz parte do cotidiano. Kehl acrescenta: "são os pais, e não as crianças, que não suportam que seus filhos estejam expostos aos conflitos e crises inevitáveis da vida [...]".

Há anos os professores já perceberam que parte significativa dos pais e mães não mantém qualquer tipo de relação educativa responsável com seus filhos. É corriqueiro, nessa avaliação, dizer a frase: "os pais não impõem limites às crianças (ou adolescentes)". Essa percepção, entretanto, nada tem adiantado para resolver os gravíssimos problemas decorrentes dos atritos entre professores e estudantes (como também é corriqueiro, a sociedade não está nem aí para o que os professores - sobretudo da educação básica - estão dizendo) porque as famílias, demitindo-se cada vez mais de suas responsabilidades na educação dos filhos, não param de apontar seu dedo acusador para os trabalhadores das unidades escolares.

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Vivemos numa época em que é preciso sempre "estar de bem com a vida". Parar para pensar (ou seja,  não aderir à velocidade típica dos dias atuais) ou até mesmo demonstrar certo mau humor (ou seja, ir contra a euforia triunfalista imperante) são posturas a se evitar. Perde-se com isso a capacidade de lidar  com o sofrimento e o descontentamento (passíveis de acontecer em todas as fases da vida).

Parar para pensar - uma das condições para agir responsavelmente - não se quer. Nem colocar-se diante dos sofrimentos, interdições e infelicidades inevitáveis. O que fazer? Dá-lhe, Ritalina!

Permaneço falando desse mesmo livro na próxima postagem.

* KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009

** Coloquei os dois termos entre aspas porque não estou bem certo de que essas pessoas sejam realmente uma coisa ou outra.

BG de Hoje 

Essa canção não é da melhor fase dos SMASHING PUMPKINS: o baterista Jimmy Chamberlin já estva expulso e o líder Billy Corgan não parava de detonar os outros integrantes. Mesmo assim, Ava Adore é muito boa. E o clipe, como é de praxe com os Pumpkins, ótimo.