segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Por que passei a tentar me comunicar noutro idioma?




Não faz muito tempo, li um artigo postulando que não conhecer outro idioma além da língua materna é o analfabetismo do século 21. Exagerado? Um pouco. Não tenho dúvida, porém, de que o monolinguismo é um tremendo limitador, ainda mais numa era que se orgulha da interconexão planetária e da possibilidade de comunicação full-time.

Comecei a estudar inglês, com maior empenho e alguma organização, em 2005, quando decidi me matricular num desses cursos ofertados por empresas especializadas (no caso, a FISK). Porque, convenhamos, não dá pra considerar as aulas de inglês da nossa capenga educação escolar básica como forma de aprendizado de um idioma estrangeiro. NOTA: O ensino de língua estrangeira (ou melhor, a ausência deste) está entre os inumeráveis problemas da nossa vida escolar. Falta a percepção de que o aprendizado de outro idioma aumenta a consciência linguística do indivíduo, melhorando inclusive a performance em sua própria língua nativa. Outra grande falha da escola brasileira foi a definição da língua estrangeira a ser ensinada. Num país cujos vizinhos são falantes de espanhol, qual deveria ter sido a opção mais óbvia e razoável desde o início? Entretanto, seguindo os costumes de nossa elite econômica - que só tem olhos para a Europa não-ibérica e os EUA, dando as costas para a América Latina - o sistema escolar desdenhou o aproveitamento da língua espanhola por muito tempo. Resultado: o inglês não é ensinado adequadamente e muito menos o espanhol.

Como dizia, frequentei o curso FISK durante dois anos. Infelizmente, dada minha sempre periclitante situação financeira, não pude concluir as outras etapas de formação previstas. Ainda assim, foi um período muito proveitoso. Entre 2009 e 2014, preguiçoso, deixei de lado o inglês, mas retomei o seu estudo e aprimoramento no ano passado, dessa vez de maneira autodidata, contando com o auxílio preciosíssimo da web. E por que fazê-lo?

Um dos motivos (como deixara indicado nessa outra postagem) é o fato do inglês, atualmente, desempenhar o papel de lingua franca do mundo. É possível entender e se fazer entender por meio do inglês mesmo que nos polos da mensagem a ser comunicada estejam, por exemplo, um brasileiro e um sul-coreano, dois falantes cujas línguas maternas quase nada tem em comum. Posso ter pelo menos uma noção do que quer me dizer um russo, uma iraniana ou um etíope se utilizarmos a mesma base linguística - nesse caso, o inglês - a despeito das diferenças de nossos idiomas nativos.

Além do mais, muitas coisas de que gosto são veiculadas em inglês. Boa parte dos artistas que admiro na música pop, em particular dentro do rock, expressam-se em inglês. E, pensando na Literatura e na Filosofia, muitos escritores e escritoras, independentemente de qual seja seu país de origem, são traduzidos para o inglês, justamente pelo papel de lingua franca desempenhado por esse idioma. O aprendizado de outra língua também ajuda a combater a demência e males como o Alzheimer. E quanto mais melhor: a partir de 2018, começarei a estudar francês (claro, não só para manter o cérebro ativo, mas porque alguns dos filósofos pelos quais tenho interesse - Montaigne, Rousseau, Sartre, Deleuze - são franceses e quero um dia ler seus textos no idioma em que foram originalmente escritos). Também desejo aprender espanhol e árabe quando possível.

Mas há ainda mais um motivo que me leva à comunicação noutro idioma: a solidão.

Só muito recentemente - para se ter ideia de como sou lento - me dei conta de que não permaneceu em meu convívio nenhum de meus(minhas) antigos(as) amigos(as), do tempo de infância/adolescência ou do "tempo da escola". Não temos quase nada em comum. O que nos ligava era algo muito circunstancial e passageiro, relacionado apenas àqueles momentos específicos do passado e que se esgotaram no momento mesmo em que aconteceram. Não tenho com essas pessoas - nem elas comigo - quase nenhuma afinidade de caráter afetivo, profissional ou intelectual. Não compartilhamos visões de mundo ou perspectivas existenciais nem de longe parecidas. E não chegamos a dividir no passado nenhuma grande experiência significativa que tenha produzido alguma reverberação no presente.

Sendo franco, nunca fui um indivíduo amigável. Egoísta e presunçoso, não me dou bem com colegas de trabalho nem com parentes. Não soube desenvolver vínculos satisfatórios na vida adulta e, sendo realista, as chances de que isso aconteça agora, aos 44 anos de idade, são bem reduzidas.

Reluto em chamar os Facebooks, Twitters e Instagrams da vida de redes sociais (prefiro o termo mídia social) porque a ideia de rede - como local de entrelaçamento - não existe nesses espaços virtuais. Não há interação entre indivíduos. Como escreveu o cronista Antonio Prata, "hoje, cada ser humano conectado à rede é uma miniempresa de comunicação de si mesmo, atrás de atenção". Não é possível conversar ou trocar pontos de vista nesses espaços. Para além da imensa quantidade de selfies e fotos ordinárias do cotidiano banal, memes de autoajuda, platitudes de almanaque ou proselitismo religioso, há a selvageria típica da web 2.0, em que xingamentos, ofensas e preconceito são a regra geral. Repito: não há interação nesses espaços virtuais (pelo menos não com a qualidade que eu gostaria). E uma vez que essas mídias sociais são um importante componente da subjetividade contemporânea, meu sentimento de solidão e isolamento só faz aumentar.

Quando comecei a atividade de blogueiro, há onze anos, meu desejo de interação era parecido com a imagem (gasta, reconheço) da mensagem na garrafa jogada ao mar. O que pensei foi basicamente isso: é possível que, em meio ao tantão de gente conectada à rede mundial de computadores, posso encontrar outras pessoas com interesses parecidos com os meus (gostem de falar sobre livros, curtem rock, olhem pro mundo de modo menos pragmático, etc.). E encontrei algumas pessoas assim. Foi meu momento mais feliz na web; as garrafas foram encontradas (as que lancei e as que outros lançaram) e as respectivas mensagens lidas. Contudo, os blogs ficaram "fora de moda", engolidos sobretudo pelo Facebook. Julgo necessário me reorganizar.

Daí a opção por escrever noutro idioma. A língua portuguesa, por mais expressiva e bela que seja, tem um número de usuários pouco representativo, quando comparado com outros idiomas. Não abandonei a ideia da garrafa jogada ao mar; agora, entretanto, a mensagem escrita em inglês pode, quem sabe, atingir outros indivíduos, não falantes do português, mas tão solitários e insatisfeitos quanto eu. E posso também apanhar as garrafas deles. É uma imensa improbabilidade estatística obter uma resposta e chegar a alguma interação que valha a pena. Mas não uma impossibilidade matemática, como já pude observar no meu extinto perfil do Twitter, em que algumas vezes, postando em inglês, não passei batido.

No próximo ano pretendo criar um blog e um perfil no Twitter escritos exclusivamente em inglês. No atual perfil do Facebook,  incluirei mais atualizações nesse idioma, já que meus posts são quase todos públicos. O interlocutor que procuro pode estar no Canadá, no Vietnam ou na Namíbia. Ainda tenho esperança de que nos encontremos.

BG de Hoje

Uma das coisas que me irrita entre os fãs do "pancadão" (recuso-me a chamar aquilo de funk) é a ignorância deliberada assumida por eles. Não fazem nenhum esforço para ouvir outro tipo de música ou mesmo conhecer a história do funk como gênero musical. Saberiam, caso não fossem tão ignorantes, que o Brasil já teve um grupo excelente chamado BANDA BLACK RIO, juntando elementos da black music norte-americana com elementos da música brasileira, como nessa faixa, Mr. Funky Samba.